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COVID-19: Riscos de Contratação, Desempenho Contratual e Litígio

March 05, 2020

Por Kevin Broughel, Arielle Dragon, Anna Faber & Michael Fisher

A COVID-19 já causou a interrupção dos fluxos de trabalho previstos e cadeias de suprimento globais. Embarcações foram impedidas de atracar ou de partir de determinados portos. Fornecedores e vendedores apontam atrasos na entrega e, em alguns casos, incapacidade de cumprir com seus compromissos. Métodos de estoque “just in time” estão sob estresse severo. Os mercados físico e financeiro estão indiscutivelmente impactados.

Este grande sobressalto gera ainda grande incerteza jurídica. Entre tais incertezas, temos como as companhias devem endereçar obrigações e deveres contratuais que estão sendo desarticulados pela COVID-19. Abaixo endereçamos algumas das considerações contratuais mais pertinentes que partes de um contrato devem considerar para avaliar os riscos jurídicos e poderem se posicionar para enfrentar a atual tempestade da COVID-19 e sua potencial piora.

Força Maior e Outras Justificativas para o Não-Cumprimento

Empresas devem rever, junto com seus advogados, os termos de quaisquer contratos vigentes que possam ser impactados pela COVID-19, especialmente aqueles que preveem a entrega de bens e/ou contemplam mecanismos de preço variável. Partes que se encontrem em posição contratual de desvantagem pelos efeitos da COVID-19 podem buscar invocar cláusulas de força maior ou Ato de Deus (Acts of God) para desobrigá-las de dar cumprimento contínuo aos termos do contrato.

Em geral, disposições de força maior liberam as partes do cumprimento de suas obrigações contratuais quando um Ato de Deus torna tal cumprimento impossível, impraticável ou ilegal. Frequentemente, o evento que leva uma cláusula de força maior a ser invocada deve estar contemplado no escopo da definição contratual de força maior, estar fora do controle das partes e não ser causado pela culpa ou negligência de uma das partes.1

Eventos comuns de força maior incluem desastres naturais, atos políticos ou terrorismo. Quando se alega a ocorrência de um ato interveniente, compete à parte que o invocou como defesa do descumprimento arcar com o ônus de provar que o evento estava efetivamente fora de seu controle.2 Desta forma, uma parte invocando disposição de força maior neste ambiente provavelmente teria que demonstrar que a disposição contratual específica inclui a epidemia de COVID-19,3 que o contrato não pode ser cumprido por força da COVID-19, que a COVID-19 estava fora de seu controle e que a força maior ocorreu sem sua culpa ou negligência.

Se a COVID-19 não configura um evento de força maior nos termos do contrato específico, potencialmente as partes poderiam invocar ser o seu cumprimento impossível, impraticável ou ainda que seu objeto foi frustrado. A disponibilidade de tais doutrinas de defesa pelo descumprimento contratual varia dependendo da jurisdição. Por exemplo, em Nova Iorque, “a justificativa para a impossibilidade de cumprimento limita-se à destruição dos meios para o cumprimento por um Ato de Deus (Act of God), caso fortuito (vis major), ou por lei”.4 Por sua vez, alegação de que o cumprimento é impraticável requer a demonstração de que a não ocorrência do evento era uma premissa básica do contrato, que a continuidade do cumprimento contratual não é comercialmente praticável e que a parte solicitando a liberação da obrigação não concordou, explícita ou implicitamente, em desempenhar o contrato a despeito da sua impraticabilidade.5 Igualmente, a frustração de objeto está disponível onde há substancial frustração do objeto principal do contrato, a não-ocorrência do evento que gerou a frustração era uma premissa básica da contratação e a parte invocando tal doutrina não é culpada.6 Estas e outras defesas devem ser cuidadosamente pesquisadas sob as jurisdições apropriadas para determinar se há um fundamento razoável para sua aplicabilidade.

Aumento dos Custos de Desempenho Contratual e Preocupações de Precificação

É importante notar que que a mera ocorrência de condições econômicas desfavoráveis ou mudanças de mercado podem não ser qualificadas como força maior ou outros eventos que liberariam do cumprimento de obrigação.7 Na mesma linha, dificuldades em desempenhar o contrato por força de circunstâncias fora do controle de uma das partes pode não levar à recuperação de prejuízos. Os tribunais têm observado que “as partes de qualquer contrato que deva ser cumprido dentro de um prazo normalmente assumem que o custo da desempenho contratual pode flutuar ao longo do tempo e, em virtude disto, os tribunais, em regra, não concluem que um aumento no custo do desempenho contratual seja um evento cuja não-ocorrência tenha sido uma premissa básica do contrato.8 Um exemplo deste princípio pode ser observado em Transatlantic Financing Corp. v. U.S.9 Em Transatlantic, o Tribunal de Apelação do Distrito de Columbia (D.C. Circuit Court of Appeals) confirmou um entendimento de que não era comercialmente impraticável uma obrigação em que uma das partes buscou recuperar danos porque seu carregamento de trigo foi forçado a seguir rota diferente em virtude do fechamento de Canal de Suez. O Tribunal de Apelação decidiu que, porque o contrato não havia sido considerado legalmente impossível e que poderia ser presumido que a parte despachando a mercadoria havia aceitado “algum grau de risco anormal,” não havia fundamento para a compensação.

A despeito do exposto acima, há alguns precedentes que suportam a proposição de que o desempenho continuado de uma das partes pode ser dispensado por conta de impraticabilidade onde há uma diferença substancial entre o custo de desempenho contratual estimado contra o real em virtude de um evento interveniente extraordinário.10 Desta forma, as partes devem examinar seus contratos para determinar o impacto do aumento de custo trazido pela COVID-19 e, se o impacto for significativo, potencialmente discutir com as outras partes os ajustes que poderiam ser realizados se os custos de desempenho contratual não mais refletirem as intenções e expectativas das partes. Adicionalmente, compradores confrontados com notificações de um atraso relevante ou indefinido que reduza substancialmente o valor do contrato como um todo podem conseguir promover o término e liberação de parcelas não cumpridas do contrato, ou modificar o contrato, concordando com um desempenho contratual substituto.11

Necessidade de Notificações

Todas as disposições contratuais referentes a notificações devem ser cuidadosamente analisadas para que se determine se a COVID-19 deflagra algum requerimento de notificação. Por exemplo, se uma parte invoca força maior, a disposição contratual pode determinar que uma notificação seja enviada à outra parte, em determinado período de tempo, sobre o desempenho contratual ser impossível ou impraticável. Atrasos em embarque ou pagamento que sejam previstos podem também, contratualmente, requerer que uma notificação seja enviada por escrito antecipadamente. Da mesma forma, partes inocentes podem ser obrigadas a enviar notificações por escrito às demais partes sobre o descumprimento por parte destas para que se inicie o período de cura, ou direitos de término do contrato possam ser exercidos ou danos sejam devidamente demandados. Mesmo que as notificações não sejam contratualmente requeridas, elas podem ser aconselháveis para que uma contraparte seja informada para mitigar danos potenciais e oferecer meios alternativos de desempenho contratual.

Deve-se ter cautela, entretanto, para evitar inadvertidamente enviar uma notificação  que antecipadamente viole um contrato. Embora varie dependendo da jurisdição, uma violação antecipada de contrato é geralmente definida como “ um repúdio às obrigações contratuais por uma parte antes do prazo definido para que tal parte cumpra com sua obrigação.”12 Se a comunicação de uma parte indicar, implícita ou expressamente,13 que tal parte não cumprirá com suas obrigações sob o contrato, a parte inocente poderá ter uma série de remédios diferentes, inclusive a rescisão do contrato ou tratar o repúdio como descumprimento integral.14 Desta forma, qualquer comunicação referente a dificuldades ou atrasos previstos no cumprimento das obrigações deve ser cautelosamente examinada de modo que a parte que fizer a comunicação evite erroneamente sugerir que não pretende cumprir com suas obrigações sob o contrato.

Endereçar Contratualmente Potenciais Efeitos Futuros

Os distúrbios dos mercados financeiros em resposta à propagação da COVID-19 certamente afetarão as expectativas gerais de negócios das companhias, bem como financiamentos planejados e propostos e transações de investimento. O New York Times recentemente reportou que “enquanto a pandemia do coronavirus se espalha, as maiores companhias do mundo começaram a pintar uma imagem árida de cadeias de fornecimento quebradas, interrupção de fabricação, lojas vazias e demanda esvaziada por seus produtos.”15 Com efeito, o nível da atividade empresarial nos Estados Unidos para o mês de fevereiro atingiu o recorde de mais baixo dos últimos seis anos enquanto as companhias reagiam a previsões de desaceleração econômica global.16 Espera-se que a redução na demanda por bens de consumo e no consumo de energia decorrente da auto quarentena refreie as receitas das companhias e afetem projeções financeiras de longo prazo.17 Adicionalmente, companhias podem sofrer desafios com relação a investimentos porque investidores estariam menos propensos a conceder empréstimos e os bancos podem começar a impor restrições aos empréstimos.18

Olhando adiante, disposições contratuais devem ser redigidas considerando tais potenciais efeitos. Partes devem considerar redigir cláusulas de força maior mais extensas para capturar uma maior gama de atos naturais e políticos que podem surgir da COVID-19 se tornar uma pandemia. Além disto, as partes podem desejar ter maior flexibilidade com disposições referentes a término contratual através de prazos de notificação mais curtos e maior leniência com relação a requerimentos para término. Acordos referentes a precificação são outra área em que mudanças podem ser necessárias. Disposições referentes a preços variáveis podem ser eliminadas em troca de preço fixo ou limitadas a valores máximos ou ainda contar com limites que demandem renegociação mandatória. Mesmo disposições referentes a escolha de lei de regência e foro, muitas vezes  negociadas de maneira superficial, ganharão nova importância e interesse dado que as partes avaliarão quais jurisdições podem ser mais receptivas a determinadas defesas e demandas contratuais. Em suma, as partes precisarão monitorar continuamente os impactos da COVID-19 em seus negócios e, de acordo com isto, ajustar suas expectativas e seus objetivos contratuais futuros de modo a mitigar riscos e prever a maior flexibilidade possível.


1   Veja, por exemplo, Gulf Oil Corp. v. Fed. Energy Regulatory Comm’n, 706 F2dd 444,452 (3rd Cir. 1983).

2   30 Williston on Contracts § 77:31 (4th ed.).

3  Ao avaliar se se determinado evento está incluído no escopo de uma cláusula de força maior, é importante distinguir entre a epidemia da COVID-19 em si e outros atos políticos e econômicos que decorrem da epidemia.

4  407 E. 61st Garage, Inc. v. Savoy Fifth Ave. Corp., 23 N.Y.2d 275, 281 (1968).

5   Veja J & G Associates v. Ritz Camera Centers, Inc., No. 9811, 1989 WL 115216, at *4 (Del. Ch. Oct. 3, 1989); Restatement (Second) of Contracts § 261 (1981). A doutrina de impraticabilidade de desempenho contratual do Uniform Commercial Code (U.C.C.) (U.C.C. § 2-615) pode liberar um contratante de cumpri suas obrigações (o desempenho contratual) sob o contrato quando um evento faz com que o desempenho contratualse torne impraticável (“impracticable”) e as partes contratantes não poderiam ter razoavelmente antecipado ou contemplado a sua ocorrência.

6  Chase Manhattan Bank v. Iridium Afr. Corp., 474 F.Supp.2d 613, 620 (D. Del. 2007).

7  OWBR LLC v. Clear Channel Communications, Inc., 266 F.Supp.2d 1214, 1222 (D. Haw. 2003); Restatement (Second) of Contracts § 261 (alterações de mercado são sempre premissas básicas sobre as quais contratos são realizados).

8 Veja, por exemplo, Friedco of Wilmington, Del., Ltd. v. Farmers Bank of the State of Del., 529 F.Supp. 822, 827 (D. Del. 1981).

9  259 F.Supp. 725, 728 (D.D.C. 1965), affirmed, 363 F.2d 312, 319-320 (D.C. Cir. 1966); veja também CRS Proppants LLC v. Preferred Resin Holding Co., LLC, No. N15C-08-111, 2016 WL 6084167, at *6-9 (Del. Super. Sept. 27, 2016) para uma breve discussão sobre Friedco, Transatlantic, impraticabilidade comercial e frustração de objeto.

10   Veja, por exemplo, Aluminum Co. of America v. Essex Group, Inc., 499 F.Supp. 53, 70-71 (W.D. Pa. 1980) (decidindo que sob as leis de Indiana o vendedor tinha direito à reforma do contrato sob as doutrinas da impraticabilidade e frustração de objeto onde a fórmula de da precificação no contrato aumentou dramaticamente o custo de desempenho contratual do vendedor em virtude das ações da OPEP para aumentar os preços do petróleo e custos de controle de poluição não previstos.

11  U.C.C § 2-616; 30 Williston on Contracts § 77:22 (4th ed.).

12  23 Williston on Contracts § 63:28 (4th ed.).

13 Quebras de contrato antecipadas podem ser expressas (usualmente por uma declaração do devedor ao credor da obrigação) ou implícitas por um ato que torne o devedor incapaz de cumprir com o contrato. Veja, por exemplo, Norcon Power Partners v. Niagara Mohawk Power Corp., 92 N.Y.2d 458, 463 (1998).

14 23 Williston on Contracts § 63:33 (4th ed.).

15  Peter Eavis, How Bad Could It Get? Companies Gauge the Coronavirus Impact, N.Y. Times, Feb. 28, 2020, https://www.nytimes.com/2020/02/28/business/economy/companies-coronavirus-economy.html (last visited Mar. 1, 2020).

16 Paul Hannon e Amara Omeokwe, Coronavirus Hits U.S. Business Activity, Wall St. J., Feb. 21, 2020, https://www.wsj.com/articles/coronavirus-impact-on-global-economy-more-muted-than-expected-11582285372 (last visited Mar. 1, 2020).

17 Charles Riley e Julia Horowitz, The coronavirus is already hurting the world economy. Here’s why it could get really scary, CNN BUSINESS, Feb. 10, 2020, https://www.cnn.com/2020/02/08/business/coronavirus-global-economy/index.html (last visited Mar. 3, 2020); Veja Eavis, nota 15 supra.

18 Veja Eavis, nota 15 supra.

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Jonathan E. Kellner

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